sábado, 22 de novembro de 2008

Teoria da Crise no Marxismo (6) - Crise crônica do sistema capitalista e as contra-tendências

CAPÍTULO 6
CRISE CRÔNICA DO SISTEMA CAPITALISTA E AS CONTRA-TENDÊNCIAS

O desenvolvimento do sistema não tem um comportamento estável, constante. Já desde seus primórdios, durante os séculos XVIII e XIX, mostrava um crescimento variável. O crescimento do capitalismo em escala mundial tem comportamento cíclico a cada 50 ou 60 anos, com períodos de crise e de auge.

No final do século XIX e início do XX, segundo o marxismo revolucionário o sistema capitalista envelheceu. Entrou em crise crônica, a chamada fase imperialista. Nesse novo período, a livre concorrência foi substituída pelos monopólios, o capitalismo segundo esses autores entrou em sua fase de decomposição enquanto modo de produção. As forças produtivas pararam de crescer, ou pelo menos, não mais em ritmo constante como acontecia ao capitalismo antes. Nessa nova situação, as fases depressivas se tornaram mais prolongadas e profundas, e pelo contrário, as de recuperação foram menos extensas e de pouco alcance, razão principal para a caracterização da suposta decomposição do capitalismo.

Ao final do século XIX, o capitalismo vivia grandes transformações de sua base produtiva, financeira e comercial. O surgimento de grandes empresas com elevado grau de produtividade, e a formação de grandes bancos, com destacado peso no sistema financeiro da época, caracterizavam o surgimento de uma nova fase do sistema capitalista. Ao mesmo tempo surgia um grande debate teórico sobre o significado dessas transformações. Os precursores deste debate foram Lênin, Rosa Luxemburgo, Hilferding, Kautsky, Bukharin, para citar os principais (e entre outros posteriores, tal como Trotsky, Kalecky e Sweezy). Esses autores elaboram estudos acerca do problema, preocupados em responder cientificamente às transformações sofridas pelo capitalismo mundial naquela época.

Todavia, embora tenha Hobson[1] dado a contribuição inicial ao tema, foi o posterior trabalho de Vladmir I. Lênin que ganhou maior notoriedade na época, sendo até hoje muito discutido nos meios acadêmicos. Segundo a interpretação de Lênin, a fase imperialista do capitalismo é marcada, sobretudo, pela concentração da produção e a formação de monopólios. "O imperialismo é a fase monopolista do capitalismo" (LÊNIN, 1986, p.641).

Observa-se que Lênin também descreve a fase imperialista como a fase monopolista do capitalismo, porém, convém destacar o tratamento dado pelo autor a essa questão. Para Lênin, as grandes empresas não surgiram como um fenômeno puro e simples. São resultados do desenvolvimento do sistema capitalista, que possui como tendência à concentração e centralização do capital. Em seu trabalho O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, Lênin procura demonstrar que nos primórdios do sistema capitalista predominava a livre-concorrência, mas o desenvolvimento das contradições de seu modo de produção fez consolidar a sua fase monopolista, ou seja, imperialista.

A explicação de Lênin para o imperialismo com base a lei da tendência declinante da taxa de lucro se prende aos elementos do modo de produção capitalista, A produção se move unicamente pelo lucro, portanto, a exportação de capitais ocorre em busca tão somente de uma maior taxa de lucro que as regiões menos desenvolvidas podem oferecer.

A busca pelo aumento da taxa de lucro é o que motiva grandes empresas investirem em regiões menos desenvolvidas. Lênin, entretanto, discordou da ideia de que a acumulação de capital só é possível caso ocorra investimentos em regiões externas, menos desenvolvidas, não capitalistas (melhor dizendo, com as relações capitalistas menos desenvolvidas). Mesmo em regiões mais desenvolvidas, o capitalismo constrói novas formas de exploração, e o mercado vai criando e ampliado de acordo com o volume de investimentos realizados para este fim. Na medida em que o capitalismo se desenvolve ampliando a produção e a força de trabalho assalariada, aumenta a demanda por novos meios de produção, por bens de consumo dos trabalhadores e dos capitalistas.

Com o desenvolvimento do capitalismo, cresce também a mecanização da produção, provocando o aumento da participação relativa do capital constante no processo produtivo. O departamento produtor de meios de produção passa a puxar inclusive o crescimento da produção dos bens de consumo. Nas palavras de Lênin:
Segundo a lei geral da produção capitalista, o capital constante cresce mais rapidamente que o capital variável. Por isso, o capital constante existente nos artigos de consumo deve crescer mais rapidamente que o capital variável e a mais-valia existente nesses artigos, e o capital constante existente nos meios de produção deve crescer mais rapidamente ainda, ultrapassando o crescimento tanto do capital variável (adicionada a mais-valia) existente nos meios de produção como do capital constante existente nos artigos de consumo. A seção de produção social que fabrica artigos de consumo. Desse modo, a extensão do mercado interno para o capitalismo é, até certo ponto, independente do crescimento do consumo individual, destinando mais ao consumo produtivo. (LÊNIN, 1988, p.23)
Estabelece-se assim de maneira empírica a vigência da LQTTL (lei de queda tendencial da taxa de lucro), evidenciada por Karl Marx vários anos antes e que também descobriu que existiam forças que contrapõem a essa tendência crítica ao capitalismo; inclusive, quando muitas delas atuam de forma conjunta podem reverter essa tendência natural por um período mais ou menos longo. Os mecanismos para contrabalançar a queda da taxa média de lucro são:
  • Aumento da taxa de mais-valia (maior exploração da classe operária). Intensificação dos ritmos de trabalho ou de meios que aumentem relativamente a quantidade de mais-valia gerada, pelo aumento da produtividade do trabalhador.
  • Aumento da velocidade de circulação do capital (o capital circula mais rapidamente), agindo assim como se diminuísse a taxa da rotação do capital, através da antecipação da realização da produção (pré-validação) por meio da pseudo-validação da produção, pelo uso do sistema financeiro e bancário.
  • Desvalorização ou destruição de capitais. Principalmente do capital fixo (depreciação dos equipamentos e maquinário das indústrias). Mas a depreciação de capitais deve ser entendida no sentido que lhe dava Marx. As máquinas e a força-de-trabalho não utilizadas produtivamente não são capitais, ou seja, trabalhadores desempregados, estoques de mercadorias e máquinas ociosas, tudo isso é destruição de capitais.
  • Exportação de mercadorias ou transferência de capitais, a países atrasados ou a setores da economia interna, onde a composição orgânica do capital é menor. Os investimentos diretos estrangeiros (IDE) da década de 1990 nos "países emergentes" (Sudoeste Asiático, América Latina, Leste Europeu) pela UE, EUA e Japão, e também o investimento em novos setores da economia como as da chamada "nova economia" (biotecnologia, e-commerce, Internet, etc).
  • Produção de valores de uso cujo consumo não pode retornar a esfera da produção, ou de retorno no longuíssimo prazo. O sistema capitalista tem que desenvolver a produção de algum tipo de valor de uso cujo consumo impeça o seu retorno para a esfera produtiva. Estes antibióticos contra a superprodução são justamente aqueles valores de uso que não podem ser utilizados nem como meios de produção, nem como meios de reprodução da força de trabalho. Em geral, o capitalismo moderno o faz através dos vultosos gastos públicos em indústria armamentista e defesa nacional.
  • Aumento da massa geral de mais-valia mediante o comércio parasitário/ilegal ou desigual. Este mecanismo foi amplamente utilizado no início do capitalismo, na fase de capitalismo comercial do século XV ao XVIII. Mediante o comércio desigual, se transferia mais-valia de povos de menor desenvolvimento para os países ditos metropolitanos. O tráfico de escravos, a agressão do comércio colonial, o tráfico de drogas, o contrabando, o comércio de piratarias, etc.
  • Aumento da massa geral de mais-valia pela extração de mais-valia absoluta dos trabalhadores empregados. A implantação de meios que aumentem a massa de mais-valia, isto é, a quantidade de mais-valia em proporção absoluta, tais como por meio da ampliação da jornada de trabalho ou da mera redução do salário sem redução da jornada, a desregulamentação dos direitos trabalhistas que levem redução de salários-indiretos (benefícios e assistências).
O imperialismo exerce uma contra-revolução econômica. Mas, às vezes, por razões históricas, os fatores antes mencionados atuam juntos e de maneira sincronizada, imprimindo uma derrota à classe do proletariado - à medida que a maior parte dos elementos e mecanismos contrarrestadores da queda dos lucros se dão pelo aumento da exploração do trabalho e/ou redução do atendimento das necessidades coletivas da sociedade, mas propiciam uma época de lucros estáveis ou não comprimidos -, inaugurando uma fase de auge, até a chegada da próxima crise. Essa é a origem dos ciclos capitalistas de longo prazo, entre os quais se situa os Anos Gloriosos do pós Segunda Guerra.

Notas do Capítulo
[1] O trabalho de Hobson, autor não-marxista e de origem burguesa, foi a primeira contribuição ao debate acima referido. Para compreender a formação dos monopólios, o autor analisou amplamente o desenvolvimento industrial de sua época, e pôde constatar a concentração da produção em poucas empresas que controlavam os distintos ramos industriais. Tratavam-se de grandes empresas com elevada capacidade produtiva e financeira que, por essa razão, ditavam as regras de acumulação mundial. Para Hobson, esse era um movimento inusitado na história do capitalismo mundial, uma nova fase do sistema. O autor classificou esse período como a fase imperialista do sistema capitalista. O colossal desenvolvimento das forças produtivas e da riqueza social chegou ao seu ponto culminante no século XIX.


Amanhã
Capítulo 7- A Lei do Valor e da Mais-valia

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