quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Teoria da Crise no Marxismo (9) - As causas e os efeitos da crise

CAPÍTULO 9 
AS CAUSAS E OS EFEITOS DA CRISE

A teoria marxiana do valor-trabalho penetra profundamente na essência do problema da oferta e da procura, explicando o motivo da superprodução e crise do capitalismo. Estuda até que ponto a oferta depende do trabalho social abstrato utilizado para produzir a mercadoria, como a procura depende da distribuição da propriedade dos meios de produção na sociedade, como esta relação conduz à divisão do trabalho social nos vários setores da produção, etc. As relações de mercado dependem das relações de produção.

A lei do valor tem um significado central para a economia marxista. A lei do valor é a lei econômica fundamental do capitalismo. Sendo que não determina um aspecto isolado ou alguns processos isolados do desenvolvimento da produção capitalista, mas todos os aspectos e todos os processos mais importantes desse desenvolvimento; portanto, determina a fundo a produção capitalista, sua essência. A lei do valor é a lei econômica da produção de mercadoria, segundo a qual a troca de mercadorias se efetua de acordo com a quantidade de trabalho socialmente necessário empregado em sua produção. O valor de uma mercadoria é uma categoria social; não é visto, mas é sentido sempre que se troca uma mercadoria.

Valor é uma relação entre duas pessoas, uma relação disfarçada como relação entre coisas. O valor nesse sentido é a síntese transformada das relações de produção na sociedade baseada na produção mercantil. O valor é o trabalho social dos produtores de mercadorias, corporificado na mercadoria. O termo "corporificado" sublinha o fato que o trabalho está incluído na mercadoria, tomou a forma de mercadoria. As proporções em que se permutam as mercadorias servem como a forma de expressão do valor; mostram que a mesma soma de trabalho foi gasta nas mercadorias trocadas, que elas são idênticas em valor, ou melhor, que tendem ou que procuram a tender.

A crise no capitalismo se manifesta de múltiplas maneiras, e consequentemente, múltiplos sintomas, mas com apenas uma única causa, uma contradição causal. Os economistas, e os cientistas sociais em geral, inclusive os marxistas, debruçaram-se sobre as várias "maneiras" que a crise se apresenta, reconhecendo em cada uma delas a verdadeira "causa" da crise. Nisso que se encontra as várias versões de crise analisadas pelos marxistas, porém ontologicamente em Marx e Engels há apenas uma.

A contradição causal esta na disparidade entre os graus de desenvolvimento das forças produtivas com a das relações de produção. A produção social se processa em geral de maneira cada vez mais coletiva com o desenvolvimento do capitalismo, entretanto continua a se processar sem necessidade e sem apropriação coletiva. As perguntas comuns da produção social a todas as formações sociais econômicas - "o quê; quem; para que (ou para quem); quando; quanto; onde" - ganham caráter cada vez mais coletivas e tecnificadas (organizada e planejada cientificamente à nível da empresa), porém ficam ainda subjugadas às relações burguesas: a propriedade privada (a distribuição capitalista da produção e o mercado anárquico) e as fronteiras nacionais (o limite do mercado interno e das instituições político-estatais nacionais), quer dizer, continuam individuais, com caráter individual.

Para Marx, a produção capitalista, em função das contradições que gravam o seu desenvolvimento, estaria fadada a conviver com frequentes crises, que se manifestariam nas formas de superprodução, tendência à queda da taxa de lucro e superacumulação de capital.

As divergências entre as explicações marxistas com da economia tradicional, sobre as crises econômicas do capitalismo, requer também análises sobre a construção de seus sistemas teóricos. Apreender o primeiro atribui como causas das crises aquelas contradições que serão posteriormente analisadas, sob as quais se desenvolveria esse modo de produção, e, o segundo, aludida a desarmonia nos mecanismos de equilíbrio geral ou a insuficiência de investimentos por parte dos empreendedores capitalistas.

A crise econômica origina-se no "salto mortal", na transição da mercadoria entre a esfera da produção para a esfera da circulação, a realização da produção. É onde no circuito de valorização do capital ocorrem as crises, a ruptura entre as esferas e a consequente não realização do capital, caso não ocorra segundo sua taxa média de lucros esperada.

A existência do "salto mortal" deve-se, no conjunto de formações mercantis, e em particular no capitalismo (a sociedade mercantil mais avançada), a "alienação do trabalho", no sentido marxista de que, o produto não é apropriado pelos produtores e só se sociabiliza por meio das trocas, mediadas pela moeda, o que chamamos de dicotomia mercantil-monetária.

A taxa média de lucro esperada refere-se ao montante de lucro em taxa, dentro de um tempo determinado para obtenção dessa taxa. A não realização da mercadoria traduz-se na queda na taxa média de lucro. Um problema entre a produção e uma dicotomia temporal com a realização do capital produzido a seu valor esperado, o que chamamos de tempo de rotação de capital, que é verificado em taxa.

O tempo de rotação é o período total em que o capital leva para se valorizar, de constituir-se desde capital fixo até chegar a ser oferecido no mercado, é o tempo para circulação do capital a fim de valorizar-se e acumular. O capitalista resolve o problema da taxa de rotação aumentando a composição orgânica do capital, mas quanto maior a composição de capital maior a taxa de rotação, obrigando a fazer mais uma rodada de aumento da composição ou expandindo o mercado para o capital. Por outro, o aumento da composição orgânica implica em queda da taxa de lucro e/ou que o montante de mercadorias produzidas, por este aumento da composição orgânica, seja acima da capacidade de absorção pelo mercado, que para realizar-se implica obter lucros menores, isto é, a uma taxa de lucro menor que a esperada.

A Crise é o resultado do ajuste espontâneo (não intencional pelos sujeitos sociais) de uma contradição no processo de acumulação e desenvolvimento do modo de produção capitalista, isto é, no processo de valorização do capital. O problema da crise é suas marcas (efeitos sociais destrutivos).

As Crises são percebidas pelas diferentes "maneiras" que se apresentam, que por sua vez, dependem da ação de determinada das varias contra-tendências existentes. Pode manifestar-se por uma dificuldade de realização tanto por desproporção departamental ou subconsumo ou por liquidação tendencial da taxa de lucro pelo aumento da composição orgânica do capital. Uma contra-tendência age sobre os efeitos da tendência a crise, a tendência ao rebaixamento da taxa de lucros, isto é, a tendência que a taxa de lucro corresponda menor que a taxa de lucro esperada. Agindo contrário a queda e/ou facilitando a correspondência da taxa de lucro com a taxa esperada. Operando no sentido contrário à tendência à crise, diminuindo o conteúdo contraditório do processo de acumulação, mesmo que momentaneamente. Então, qual manifestação da crise se apresentará deve-se a qual das contra-tendências chegou ao limite físico ou não pôde ser utilizado.

Embora não se estendendo muito sobre o assunto, Marx percebe que, na crise e depressão do capitalismo, a destruição de capital é inevitável, e age como principal contra-tendência a tendência à queda dos lucros.

Em condições de concorrência dos capitais livre (laissez-faire), de não interferência do Estado, isso acontece de forma dolorosa, acirrando a luta intercapitalista pela definição dos perdedores e disseminação da miséria, e consequente revolta da classe trabalhadora, os mais penalizados. A eliminação do capital excedente impõe a volta à escassez do capital global; que, levaria a realização enfim da produção a taxa média de lucro efetivo, e novo período de crescimento. No desemprego o capital fixo seria exaurido pelo seu uso, depreciação e obsolescência, os estoques involuntários de mercadorias, pela velocidade de sua exaustão e desemprego involuntário pela redução dos salários reais.

A lei do valor constitui o mecanismo que regula a divisão e o desenvolvimento do trabalho social nos vários setores da economia nacional, e é decisiva para que os preços sejam proporcionais, em primeira aproximação ao valor das mercadorias, isto é, a quantidade de trabalho social necessário para produzi-las.
Alguns capitalistas vendem suas mercadorias a preços mais altos do que o valor delas, outros a preços abaixo do valor, mas todos os capitalistas em conjunto recebem o valor integral de suas mercadorias, e os lucros de toda a classe capitalista coincidem com a massa total de mais-valia produzida na sociedade. Na escala de toda a sociedade, a soma dos preços de produção é igual a soma dos valores das mercadorias, e a massa de lucro é igual à massa de mais-valia. Desse modo, a lei do valor opera por meio dos preços de produção.

Sem dúvida, a restrição quantitativa da propriedade privada (centralização e concentração nas corporações transnacionais e a intervenção estatal) sobre os meios de produção e a socialização do trabalho (mecanização, integração e tecnificação) tanto na cidade como no campo, altera a ação regulatória da lei do valor na determinação da produção.

Contraditoriamente, sem a transformação qualitativa da propriedade privada, - com a socialização (jurídico-econômica e político-econômica) da propriedade dos meios de produção, tal qual a socialização do trabalho (forças produtivas com caráter social), que será intensificada - a lei do valor continua a operar, à medida que as relações de troca (o mercado capitalista) permanecem, este divórcio provoca uma regulação onde correspondência entre o valor (preços de produção) e os preços de mercado são cada vez mais instáveis e com taxa de lucro tendendo cada vez menor que a taxa esperada.

Isto, precisamente, explica o "assombroso" fato de que, apesar do desenvolvimento ininterrupto e impetuoso da produção no capitalismo contemporâneo, cada vez mais, os baixos ritmos de aumento da produção nesses países (aumentos medíocres ou em breves períodos), as crises periódicas de superprodução. Pois os aspectos estabilizadores da lei do valor na produção capitalista ("lei da concorrência" que conduz a convergência de valores pela competição, isto é, da taxa de lucro, entre capitais) que se baseia o desenvolvimento harmonioso da economia nacional e entre os países tornaram-se restringidos pela ação da monopolização e da interferência estatal, e os aspectos relacionados à desestabilização, ligados à decomposição do próprio mercado, reforçam-se.

Os capitalistas seriam tão mais coerentes com os seus objetivos, quanto mais ávidos fossem pela extração de mais-valia no processo imediato da produção. Não levariam em conta, porém, que a concretização da valorização do capital, através do lucro, sofreria limitações impostas pelas próprias relações sociais de produção, que teriam justificado a existência da parcela de trabalho não pago da jornada de trabalho de seus assalariados. Como agravante, ter-se-ia que esse comportamento estaria incluído num processo de produção que se orientaria como quem busca desenvolver de modo absoluto as forças produtivas. Daí a tendência a se deflagrar a superprodução de mercadorias (meios de produção e de subsistência); não relativamente às necessidades da população, mas sim às possibilidades de utilização e/ou capacidade de produzir excedente, para fins de expansão do capital.

Funcionando desse modo, na medida em que fosse se desenvolvendo, o processo de valorização e acumulação de capital tenderia a ir aguçando a sua contradição básica, fazendo o sistema produtivo convergir para uma situação de crise. A não-realização da mais-valia chegaria a assumir tal proporção, a ponto de se tornar altamente incompatível com os objetivos de valorização do capital. "As crises não são mais do que soluções momentâneas e violentas das contradições existentes, erupções bruscas que restauram transitoriamente o equilíbrio desfeito" (MARX. O Capital, L. 3, v.4, p. 281).

Além do mais, Marx, como se sabe, não se dedicou apenas à explicação teórica das leis causais[1] que regem (regulam) a produção capitalista em determinado tempo e espaço, mas também, das leis (tendências, mecanismos e explicações) que seriam responsáveis pela transformação, através da história, desse modo de produção.

No desenvolvimento histórico do processo de produção capitalista, iriam se evidenciando as contradições que marcariam a busca de que se atinja o seu objetivo de valorização e acumulação. Com os meios utilizados para atingi-lo (a exploração e o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho), desenvolver-se-iam, também, progressivamente, por um lado, a concentração e a centralização do capital (a restrição numérica da burguesia e do espaço de ação do mercado), a financeirização da economia, por outro lado, a socialização do trabalho e a coletivização dos meios de produção[2], e ainda, a ampliação continuada do proletariado e sua miserabilização e a ampliação das relações sociais capitalistas, com a mundialização da produção e restrição de áreas e setores com possibilidade de lucros extraordinários.

Esse processo, na sua convergência, após um caminhar traumático pelo tempo, findaria por consolidar a total incompatibilidade do regime capitalista com a realidade, ocasionando a sua superação, assim ocorrida através da sua auto-negação. As crises constituir-se-iam nas manifestações mais eloquentes da atuação das leis explicativas dessa transformação. Os fenômenos da Crise e sua recorrência de tempo em tempos (seu caráter cíclico) parte desse processo dinâmico.

NOTAS:

[1] contradições e relações sociais condicionantes, isto é, determinantes
[2] o caráter coletivo como progressivamente se configura os meios de produção, isto é, enquanto forças produtivas, embora enquanto relações de produção continue sob a forma de propriedade privada, é verificado pela interconexão complexa dos parques de produção e a necessidade incontestável de interferência estatal, na proteção dos investimentos privados e sua própria participação, como também o planejamento e a mediação nas relações de mercado, tanto entre capitalistas mas também entre os produtores e os consumidores e entre as empresas e os empregados.


Amanhã (último capítulo da série Teoria da Crise no Marxismo)
CAPÍTULO 10 - LIMITE DO CAPITAL, CONTRADIÇÃO E SUPERAÇÃO DA CRISE

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