sábado, 20 de outubro de 2012

Niterói, da "requalificação" aos dilemas da re-industrialização

por Almir Cezar*

A literatura econômica contemporânea muito se fala em desindustrializações locais e regionais, citando vários casos, em sua maioria na Europa Ocidental e América do Norte. Em todas as análises fala-se na necessidade de "re-qualificação da cidade" e na busca por um novo perfil, induzido por políticas públicas e planejamento urbano, mais voltado a uma vocação em base à serviços. Porém, a região de Niterói apesar de passar por uma verdadeira reviravolta em menos de 5 décadas (1960-2000), de uma cidade industrial à de serviços, prova não ser totalmente correta essas análises e receituários. A "requalificação" em Niterói esta agora sob o dilema, decorrente do impacto da ascensão das atividades econômicas locais ligados à exploração off shore de petróleo e recém reativação da indústria naval, e também do impacto da recém anunciada implantação do COMPERJ (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) nos vizinhos São Gonçalo e Itaboraí, que impõe um pseudo-desafio de "preparar-se" a esses megaempreendimentos.

Primeiramente, esta região de São Gonçalo, Itaboraí e Maricá gira em torno de Niterói, e com ela segue em sua dinâmica. E com ela vivenciou um declínio econômico. A economia niteroiense era na década de 1950 uma das mais importantes do país. Além de capital estadual, era um importante polo nacional da indústria naval, de pescado e têxtil. Sinais desse passado podem ser vistos nas grandes construções de perfil fabril e em centenas de bairros com feição operária, concentrados na zona norte de Niterói, e se estendendo para vários bairros de São Gonçalo. Contudo, no início da década de 1960 inicia-se um processo de esvaziamento econômico. O movimento portuário de Niterói, por exemplo, diminuiu em 50% no período de 1964-1967, em grande parte em decorrência da decadência da economia cafeeira do Norte Fluminense. O setor têxtil, tradicional na economia fluminense, também foi perdendo a competitividade desde então.

Também contribuiu à decadência econômica a transferência da capital do Estado do Rio de Janeiro, de Niterói para a Cidade do Rio de Janeiro, com a fusão com o Estado da Guanabara em 1975, com a consequente mudança das repartições públicas e estatais estaduais e de escritórios regionais de empresas privadas. E ainda, a construção da Ponte Rio-Niterói, inaugurada um ano antes, em 1974, contribuiu para agravar a situação, à medida que, fez a região da Grande Niterói e o interior do estado passar a gravitar mais forte e diretamente entorno à Cidade do Rio de Janeiro. Que, por sua vez, também passava por um esvaziamento econômico no mesmo período. A consequência foi um claro processo de degradação urbana dos bairros industriais e do entorno do porto de Niterói com a deterioração e subutilização de muitos imóveis, que contribuiu para rebaixar a atratividade desses locais e negócios.

Este cenário acelerou a degradação social local, com a expansão do sub-emprego e da informalidade (multidão de camelôs), com consequência na favelização e explosão da violência urbana (mesmo que em níveis abaixo da capital fluminense) e na migração de habitantes para cidades vizinhas em busca de moradias adequadas a rendas menores - contribuindo para ampliar os problemas urbanos nas cidades vizinhas de São Gonçalo, Itaboraí e Maricá, com a expansão de assentamentos precários e a pressão fundiária entre velhos e novos moradores.

A partir do final da década de 1980, a cidade de Niterói começa a recuperar competitividade. Há inclusive uma estratégia do governo municipal, aproveitada pelos empresários, da cidade voltar-se à serviços e moradia, aproveitando-se da qualidade de vida da cidade - adquirida pela alta renda de seus moradores e pela presença dos equipamentos públicos e privados herdados do fato de ter sido capital estadual. Aliada a decorrência de menores custos com terrenos e despesas de localização, combinado ao fato da cidade ter boa logística e mobilidade urbana, ser próxima da Cidade do Rio e polarizar toda a região do Leste Fluminense. Assim, começa a proliferação de lançamentos e empreendimentos imobiliários, de projetos de serviços privados especializados e de comércio de alto padrão, concentrando-se no Centro e principalmente na Zona Sul e bairros da Região Oceânica. Por sua vez, levou ao colapso do comércio de rua tradicional, mais concentrado no Centro da cidade.

Também contribuiu para essa reversão, vários projetos públicos da administração municipal que mudaram a paisagem urbana, destacando-se melhorias viárias e empreendimentos voltados ao fomento do turismo, ou pelo menos, a melhoria e divulgação da boa imagem da cidade. Foram os anos da duplicação de avenidas, entre elas as avenidas Visconde do Rio Branco e Marquês do Paraná, da construção do Terminal Rodoviário João Goulart (o "Terminal"), do Museu de Arte Contemporânea e do complexo de equipamentos culturais à beira da orla, o "Caminho Niemeyer". Também, houve intensa propaganda, inclusive institucional, em torno à figura de que a cidade deteria um alto padrão de qualidade de vida, usando para isso inclusive, a divulgação massiva e marqueteira de estatísticas e indicadores sociais e econômicos favoráveis.

A consequência é que as décadas de 1990 e 2000 foram de grande verticalização no perfil da edificação urbana e de multiplicação do lançamento empresarial de estabelecimentos de serviços e comércio, com shopping centers, hospitais e clínicas particulares, colégios e universidades privadas. O efeito colateral foi a saturação dos serviços públicos (que receberam investimentos muito menores em proporção a expansão populacional) e simultânea a favelização e a pressão à migração dos moradores nativos às cidades do entorno ou a novos bairros, devido a elevação dos preços dos imóveis em bairros valorizados. De certa forma, pode-se dizer que, a qualidade de vida não se deu e se dá igualmente para todos os munícipes. Por sua vez, com a forte expansão imobiliária e o excessivo adensamento populacional,  a cidade exibe  fortes sinais de saturação urbana nos últimos anos, em vários bairros, e nas principais vias da cidade, impondo um forte dilema urbano a Niterói, entre prosseguir na sua forte expansão urbana e imobiliária e a manutenção das condições que asseguram seu atual padrão de qualidade de vida. 

E ainda, também na década de 2000, a partir do início da recuperação industrial na cidade com a ascensão das atividades econômicas locais ligados à exploração off shore de petróleo e recém reativação da indústria naval, esse novo quadro de "cidade de serviços" começou a originar uma contradição na trajetória de desenvolvimento urbana entre seu perfil industrial e de serviços, com implicações conflitivas, tanto sob a forma disputa fundiária, como localização de negócios e empreendimentos, definição de diretrizes nos planos urbanísticos, problemas ambientais, disputa jurídicas entre vizinhanças, etc. 

Contrariamente ao otimismo propagandeado pela mídia, políticos e empresários, esta nova situação pode tornar-se ainda mais convulsiva, justamente com o início do funcionamento do COMPERJ, nos municípios vizinhos de São Gonçalo e Itaboraí, e com expansão da exploração de petróleo com início das atividades dos poços do pré-sal e da Bacia de Santos. Niterói obviamente absorverá uma parte do contingente populacional esperado para o complexo petroquímico e novos negócios petrolíferos, além da expansão da demanda por serviços por essa população, inclusive a dos municípios vizinhos, tal como já o faz atualmente. Portanto, não se precisa apenas preocupar-se em preparar as cidades - inclusive debatendo o que é de fato "preparar-se". É necessário discutir democraticamente o uso do espaço urbano e do perfil das atividades econômicas em sua totalidade, para que a população, preponderadamente os trabalhadores, e não os políticos, empresários e tecnocratas, decidam por uma ou outra opção para os rumos da vida comunitária regional. Esta sim, será a opção que a cidade terá que tomar. Isto sim será "preparar-se".

(*) P.S.: 
Agradecimento especial ao meu amigo Emílio Cláudio Zar ("Emir"), que recuperou este texto e me envio - o qual é um fragmento de um texto apresentado em minha participação em uma palestra  dada na campus São Gonçalo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FFP-UERJ), entre 2008-2009, organizada pelo movimento estudantil local. 

Esta foi a época que eu andava dando aula em cursos técnicos e de tecnologia em Petróleo e Gás entre Niterói e São Gonçalo, justamente na disciplina "Indústria do Petróleo". Havia recém-retornado do mestrado, em que havia estudado bastante sobre desenvolvimento regional e territorial. A palestra queria tratar tanto do impacto das atividades econômicas ligados à exploração off shore e recém reativação da indústria naval quanto do impacto do recém-anunciada implantação do Comperj para a região de São Gonçalo, Niterói e Itaboraí.

Não lembro bem do texto, era de fato, apenas um rascunho para minha exposição oral, cuja original deixei com os organizadores do evento. Apenas faço agora alguns reparo de semântica. Não sei como Emílio o achou. Agora me manda por email, e me pediu para usá-lo em seu bibliografia. Agradeço por guardá-lo, digitá-lo, enviar-me, e principalmente, pela referência.

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