segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Preconceito, identidade e polarização extrema na Direita Pós-moderna

Ensaios sobre a Pós-Modernidade na Direita nº 18

Por Almir Cezar Filho

Em alguns ensaios anteriores (“O Olavismo Cultural e a Pós-modernidade de direita na Economia” e “Olavismo cultural e o discurso raivoso de direita na classe média”) falamos a respeito do ódio como método na Direita Pós-Moderna. Tanto como mecanismo retórico entre o orador e a plateia, como também deliberadamente aproveitado pelo orador (e liderança) para aglutinação ideológica, de identificação do público com as suas propostas. Falaremos agora do por que na contemporaneidade ocorre essa aglutinação do público entorno do programa político e/ou das lideranças dessa Direita e como esse programa é gerado.

Como vocês sabem, a série de ensaios vem analisando o fenômeno dessa nova direita, aparentemente ultraliberal no conteúdo dos temas econômico, mas extremamente conservadora ou até mesmo reacionária no conteúdo moral/comportamental e político, e que em muitos casos se apresenta de forma “moderninha”, e que rivaliza com a direita que vimos lidando ao longo dos séculos XIX e XX, baseada na divisão entre liberais, conservadores e reacionários. Caracterizamos essa nova direita como uma Direita Pós-Moderna. Até aqui se deu nos ensaios mais ênfase nas análises sobre os temas econômicos e políticas - faremos agora sobre o comportamental e moral, e como essas influenciam aqueles.

Há alguns dias atrás virou polêmica nas redes uma enquete de um programa matutina de TV se as pessoas escolheriam diante de um hipotético dilema ético entre aplicar cuidados em saúde de emergência a um policial levemente ferido ou a um traficante em estado grave. A maioria das pessoas presentes e ouvidas no programa disse que seria pelo traficante (o paciente mais grave). Logo depois "explodiu" pela internet comentários de ódio em suposta solidariedade aos policiais, criticando diretamente quem respondeu a favor do traficante e contra a própria apresentadora do programa.

O ceticismo, a fragmentação, o relativismo, particularismo, os enclaves grupais contribuem, por um lado, para formar o zeigest Pós-Moderno. Por outro, uma espécie de colapso da sociedade capitalista burguesa, mesmo após a extinção das sociedades socialistas do tipo soviético. Não à toa que é um tema corriqueiro entre a direita pelo mundo uma autorrepresentação (especialmente na Europa e América do Norte), como uma "sociedade esgotada e alienada, corrompida pela herança igualitária de “maio de 68”, incapaz de dar conta dos imigrantes (muçulmanos na Europa Ocidental e hispano-americanos nos EUA) e de defender seus valores".

A partir da crise do petróleo dos anos 1970, economistas pró-mercado como o austríaco Friedrich Hayek (Prêmio Nobel de 1974), monetaristas da Escola de Chicago de Milton Friedman (Prêmio Nobel de 1976) e os novos-clássicos associados a Robert Lucas (Prêmio Nobel de 1995) passaram a dominar o pensamento econômico global e se tornaram conhecidos do grande público sob um único rótulo: “neoliberal”. Seus conceitos foram trazidos para a América Latina pelo setor mais conservador americano, representado principalmente pelos think tanks ligados a Ronald Reagan, que depois de ter perdido as primárias republicanas em 1968 e 1976, se elegeu presidente em 1980, tendo Friedman como principal conselheiro. Também predominaram no governo de Margaret Thatcher (1979-1991) no Reino Unido. 

Os defensores do liberalismo clássico eram também defensores da liberdade política, mas a corrente chamada de ‘neoliberal defendia essencialmente a não intervenção do Estado na economia sem uma preocupação particular com a questão da liberdade política, chegando, em alguns casos, a apoiar sem constrangimentos governos ditatoriais como o de Pinochet no Chile [1].

Agora, o que se vê é uma rede de conservadores dos EUA financiar jovens latino-americanos para combater governos de esquerda da Venezuela ao Brasil e defender velhas bandeiras com uma nova linguagem. Aquilo que o Neoliberalismo pavimentou, permitiu erigir uma nova direita, plenamente pós-moderna. Mas ao sê-la, abandonou os últimos elementos que a conectavam com o liberalismo, e em muitos casos com o conservadorismo, que se conhecera na maior parte do século XX. Nos EUA viu-se sucessivamente surgir o NeoCon, o Tea Party e a AlRight e ressurgir os AnCap. Na França, similarmente, a extrema direita da Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen se viu converter na nova forma dada por sua filha, Marine Le Pen. Uma direita não consolidada no poder, que ao mesmo tempo é extremamente anticomunista/antissocialista e contrária à centro-direita, e mesmo antípoda da maioria da direita convencional.

Tomemos como referência o movimento NeoCon. Neoconservadorismo (ou neocon) é uma corrente da filosofia política que surgiu nos EUA a partir da rejeição do liberalismo social, relativismo moral e da contracultura da Nova Esquerda da década de 1960/70. O neoconservadorismo influenciou os governos de Ronald Reagan e George W. Bush, representando um realinhamento da política estadunidense e a conversão de alguns membros da esquerda para a direita no espectro político. O neoconservadorismo estadunidense enfatiza a política externa como aspecto mais importante nas responsabilidades de um governo, com o fim de manter o papel dos Estados Unidos como única superpotência, condição indispensável para a manutenção da ordem mundial.

Partindo daí, devemos voltar ao debate sobre o que é a Direita. Direita política descreve uma visão ou posição específica que aceita a hierarquia social ou desigualdade social como inevitável, natural, normal ou desejável. Esta postura política geralmente justifica esta posição com base no direito natural e na tradição.

O termo "direita" tem sido usado para se referir a diferentes posições políticas ao longo da história. Os termos "política de direita" e "política de esquerda" foram cunhados durante a Revolução Francesa (1789–99), e referiam-se ao lugar onde políticos se sentavam no parlamento francês; os que estavam sentados à direita da cadeira do presidente parlamentar foram amplamente favoráveis ao antigo regime, o Ancien Régime.

A original Direita na França foi formada como uma reação contra a Esquerda e era composta por políticos que defendiam a hierarquia, a tradição e o clericalismo. A utilização da expressão le droite (a direita) tornou-se proeminente na França após a restauração da monarquia em 1815, quando a le droit foi aplicada para descrever a ultramonarquia. Em países de língua inglesa, o termo não foi utilizado até o século XX, quando passou a descrever discretamente a posição que políticos e ideólogos defendiam no plano de governo que apresentavam.

Preconceito e o "aleijão epistemológico"

A disseminação da cultura de ódio dominante em parte do senso comum, manipulada pela nova Direita Pós-Moderna se dá em base a ignorância do indivíduo médio da sociedade. Há alguns dias atrás virou polêmica nas redes uma enquete de um programa matutina de TV se as pessoas escolheriam diante de um hipotético dilema ético entre aplicar cuidados em saúde de emergência a um policial levemente ferido ou a um traficante em estado grave. A maioria das pessoas presentes e ouvidas no programa disse que seria pelo traficante (o paciente mais grave). Logo depois "explodiu" pela internet comentários de ódio em suposta solidariedade aos policiais, criticando diretamente quem respondeu a favor do traficante e contra a própria apresentadora do programa.

Uma dos comentários mais comuns seria que quem toma a decisão "pró-traficante" não teria "parente" policial. O pior que quem pronúncia isso não é parente de policial, muito menos policial. Também não é médico ou outro profissional de saúde ou ainda não estudaram Ética. Pois é, ao contrário desses estou com a escolha da maioria de bom senso: pelo o de mais grave ferido, seja ele quem for.

Curioso é que quem mais reproduz o discurso de intolerância e ódio são os mais ignorantes. Inclusive que ignoraram sua ignorância. O pouco que sabe os leva a acreditar que sabe e logo se está com a verdade. E que podem tentar fazer emplacar sua opinião sobre os demais. O que é conhecido como aleijão epistemológico. É dos principais fenômenos sociais que contribuem para imperfeições do Mercado. E também para a polarização grupal, o mesmo que abre as portas ao extremismo político, e logo, até terrorismo.

Verdade que a enquete polêmica teve sua pergunta forçosamente construída. É quase um falso dilema. Para maioria das pessoas sensatas a resposta era óbvia. E para o povo pobre também - que sofre na carne com a barbárie de ambos os lados da guerra das drogas. Porém, o caso permite identificar o quanto no senso comum se faz presente o aleijão epistemológico no discurso de ódio abertamente capitaneado e alimentado conscientemente pela nova Direita Pós-Moderna.

Logo depois do episódio na TV, dezenas de memes e textos foram feitos por lideranças e "mini-lideranças" (essas que só existem no mundinho virtual). Todos com viés de ódio e sem nenhum estofo de vivência ou conhecimento. 

E vários desavisados compartilharam ou curtiram sem refletir o caso hipotético, reproduzindo, tomando como referência seu preconceito e sentimento moral, em muito alicerçado no ceticismo com a situação atual de nossa sociedade. Ou no tradicionalismo (organicismo), que os pré-dispõe à polarização opinativa. Não há uma "onda conservadora". Foram manipulados pelas lideranças da Direita, especialmente essa nova Pós-Moderna. Mas esse aleijão epistemológico pode sim levar a polarização grupal, ao fanatismo ou ao fascismo. Bastam os de bom senso e esclarecidos não se dispuserem à boa disputa dos corações e mentes.

Notas

[1] artigo A nova roupa da direita, por Agência Pública, publicado em http://www.cartacapital.com.br/politica/a-nova-roupa-da-direita-4795.html. Visto em: 25/11/2016.

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